Recurso Ordinário Trabalhista 0000511-44.2021.5.10.0006

  • Francisco Luciano de Azevedo Frota Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região
Palavras-chave: Pessoa com deficiência, Lei de cotas, Capacitação profissional

Resumo

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. EFEITO SUSPENSIVO. O artigo 899 da CLT dispõe que "Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora." O caso dos autos não encerra exceção à regra legal, até porque na hipótese concreta o tempo conspira contra a efetivação de um direito de grande alcance social, pois trata da inclusão no mercado de trabalho de pessoas com deficiência e/ou reabilitados. Vale dizer, a cada dia que passa sem que sejam adotadas pela empresa ré as providências para o cumprimento da cota de que trata o art. 93 da Lei n. 8.213/91, maior será o prejuízo social, pois teremos mais pessoas com deficiência e/ou reabilitados excluídos do mercado de trabalho e ofendidos em sua dimensão de dignidade. Logo, não há falar em concessão de efeito suspensivo ao recurso ordinário, devendo ser mantidos os efeitos da antecipação de tutela deferidos no comando condenatório da sentença recorrida. LEI DE COTAS. PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E REABILITADAS. EXCLUSÃO DA ATIVIDADE DE VIGILANTE. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. O artigo 93 da Lei n. 8.213/91 é literal ao obrigar as empresas ao preenchimento das cotas de PCD's e reabilitados, observada a quantidade de trabalhadores empregados. Do dispositivo legal referido não se verifica a exclusão de quaisquer funções. Assim, não tendo o artigo 93 da Lei nº 8.213/91 determinado a exclusão deste ou daquele emprego, ou, ainda, não tendo estipulado que a contratação das pessoas com deficiência ou reabilitados seria para alguma atividade específica, caberá à empresa, por meio de seu poder diretivo, eleger para quais cargos deseja destinar aquele rol de trabalhadores, observando-se a aptidão particular de cada portador de necessidades especiais, diante da multiplicidade do tipo e do grau de habilidade. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DE NATUREZA REPARATÓRIA. DANO MORAL COLETIVO. DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DO TRABALHO. A Constituição da República abriga no seu seio protetivo não apenas interesses individuais, mas sobretudo privilegia a tutela dos interesses coletivos no sentido lato, reconhecendo explicitamente a possibilidade de lesões metaindividuais, como no caso do patrimônio público e da moralidade administrativa protegidas pela ação popular (art. 5º, LXIII). Especificamente no campo dos danos morais, o constituinte alargou essa proteção adotando o princípio da reparação integral (art. 5º, V e X). Perfilhando esse fundamento constitucional, o legislador ordinário ampliou o uso da ação civil pública para a reparação de danos morais e patrimoniais causados a qualquer interesse difuso ou coletivo (art. 1º, caput e IV, da Lei nº 7.347/85), conferindo, desse modo, guarida ao chamado dano moral coletivo. Hipótese em que verificado o descumprimento repetido de normas para preenchimento da cota PCD, constatação que caracteriza, por si só, lesão difusa à comunidade de trabalhadores, de molde a configurar dano moral coletivo ante a violação dos direitos. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MULTA POR EMBARGOS PROTELATÓRIOS. Hipótese em que a parte aventou vício na sentença sobre assunto expressamente tratado na decisão embargada. Evidenciado, à saciedade, o intuito protelatório dos embargos de declaração interpostos, não há reparos a fazer quanto à aplicação da multa correspondente. DANO MORAL COLETIVO. QUANTUM CONDENATÓRIO. Considerando o universo de trabalhadores atingidos pelo ato lesivo cometido pela ré, a natureza e a gravidade da ofensa a valores morais que são caros para a sociedade e o desrespeito à ordem jurídica instituída, impõe-se a majoração do valor estabelecido na sentença condenatória com fulcro no artigo 944 do Código Civil. EXIGÊNCIA DE APTIDÃO PLENA PARA A VAGA EM DISPONIBILIDADE PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. NÃO CABIMENTO. A Lei n. 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), dispõe em seu artigo 34, § 3º, que "É vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena." A Lei n. 7.102/1983, a seu turno, que trata dos serviços de vigilância e de transporte de valores, não exige a aptidão plena para a vaga de vigilante, mas tão somente atestado de saúde física e mental. Não há respaldo no ordenamento jurídico para que se exija da pessoa com deficiência aptidão plena para a vaga de vigilante. Ainda que se sustente que a Lei n. 7.102/1983 traz a exigência de aptidão plena para o exercício da função, essa particularidade apenas poderia ser oponível a pessoas sem deficiência, sob pena de se extirpar do mundo jurídico o comando afirmativo instituído no§ 3º do artigo 34 da Lei n. 13.146/2015, fazendo dele tabula rasa. CAPACITAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO CANDIDATO E DO EMPREGADO. RESPONSABILIDADE. O artigo 93 da Lei n. 8.213/91 não condiciona o preenchimento das cotas de PCD's e reabilitados à existência de candidatos capacitados para as funções disponibilizadas, até porque a obrigação de inclusão da pessoa deficiente ou reabilitada não se inicia e se esgota com a contratação. Esse processo inclusivo de que trata a norma importa necessariamente na capacitação, na preparação técnica, na habilitação dos PCD's e reabilitados para que possam ser contratados. Estando o problema na falta de capacidade técnica dos trabalhadores em condições especiais para ocupar as funções disponibilizadas, a solução está nas mãos das empresas a ela cabendo implementar as medidas necessárias à habilitação profissional para a aquisição de conhecimentos para o emprego. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ASTREINTES. VALOR ARBITRADO.  Em se tratando de obrigações de fazer, ou de não fazer, é impositivo um comando para que a empresa não mais venha a cometer as irregularidades constatadas. Nesse sentido é o teor do parágrafo único do artigo 497 do CPC e do artigo 11 da Lei nº 7.347/85. No caso dos autos, os valores fixados pela magistrada de origem, tanto para fins de multa diária para cada vaga PCD não preenchida, quanto para fins de limitá-la, está em conformidade com o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, não havendo reparos a fazer no montante estabelecido. Recurso da ré conhecido e não provido. Recurso do autor conhecido e parcialmente provido.

Publicado
2023-12-18
Como Citar
Frota, F. L. (2023). Recurso Ordinário Trabalhista 0000511-44.2021.5.10.0006. Revista Do Tribunal Regional Do Trabalho Da 10ª Região, 27(2), 147-167. Recuperado de https://revista.trt10.jus.br/index.php/revista10/article/view/585